domingo, 20 de dezembro de 2009

As mãos e olhos do Bodhisattva da Grande Compaixão

Hekigan
Caso 89
As mãos e olhos do Bodhisattva da Grande Compaixão
Apontador
Se seu corpo inteiro fosse um olho, ainda assim não seria capaz de o ver. Se seu corpo inteiro fosse um ouvido, não seria ainda assim capaz de o ouvir. Se seu corpo inteiro fosse uma boca, ainda assim não seria capaz de falar sobre isto. Se seu corpo inteiro fosse mente, ainda assim não seria capaz de o perceber.
Deixando de lado por ora “corpo inteiro”, se de súbito você não tivesse olhos, como veria? Sem boca, como falaria? Sem mente, como perceberia? Aqui se você puder desenrolar um caminho único, então será um colega único dos velhos Budas. Mas deixando de lado “estudar” por ora, sob quem você se aplicaria ao estudo?

Caso
Yun Yen indagou de Tao Wu, “Por que possui o Bodhisattva da Grande Compaixão tantas mãos e olhos?”
1
Wu disse, “É como se alguém tateando, procurasse por seu travesseiro durante a noite.”2
Yen disse, “Entendo, entendo.”3
Wu disse, “Como você entendeu?”4
Yen disse, “Por todo corpo estão mãos e olhos.”5
Wu disse, “O fato é que você disse bastante, mas chegou a apenas oitenta por cento do caso.”6
Yen disse, “O que então dirias, Irmão Mais Velho?”7
Wu disse, “O corpo todo é mãos e olhos.”8

Notas
1. Naquele momento Tao Wu deveria ter-lhe dado algumas de suas próprias provisões. Por que está constantemente correndo por aí afora? Por que você pergunta isto, Reverendo?
2. Por que não usou Tao Wu suas próprias provisões? Um cego conduzindo uma multidão de cegos.
3. Ele acrescenta o erro ao erro. Ele está tapeando todos. Não existe sujeira diferente no mesmo buraco. Yun Yen não evita correr além do ponto e cortar sua mão.
4. Por que se incomodar em mais indagar? Ainda assim teve de perguntar; Yun Yen deve ser desafiado.
5. O que tem isto a ver com o caso? Está ganhando a vida na caverna dos fantasmas, lavando um torrão de terra com lama.
6. Não existe sujeira diferente no mesmo buraco. Quando o servente homem vê o servente mulher, ele se põe em guarda. Um leproso arrasta seus companheiros.
7. Como se pode ganhar isto aceitando as interpretações alheias? Tao Wu também deve ser desafiado.
8. O sapo não pode pular fora da cesta. Ele captura seus olhos e foge com sua língua. Obteve ele cem por cento ou não? Ele está chamando seu pai de papá.

Comentário
Yun Yen e Tao Shan eram colegas praticantes sob Yao Shan. Durante quarenta anos, Yun Yen nunca deitou para dormir. Yao Shan produziu toda a escola Ts’ao-Tung. Sob três homens o Caminho do Dharma floresceu: descendendo de Tao Wu havia Shih Shuang; e descendendo de Ch’uan Tzu estava Chia Shan.

O Bodhisattva da Grande Compaixão (Avalokitesvara) tinha oitenta e quatro mil braços simbólicos. A Grande Compaixão tem tantos olhos e mãos—todos vocês possuem isto ou não? Pai Chang disse, “Todos os ditos e escritos retornam a si mesmos.”

Yun Yen com freqüência seguia Tao Wu, para estudar e fazer indagações para estabelecer sua compreensão com segurança. Um certo dia, lhe perguntou ele, “Por que possui o Bodhisattva da Grande Compaixão tantas mãos e olhos?” Logo de saída Tao Wu deveria ter-lhe dado um golpe de bastão nas costas, para evitar tantas complicações posteriores. Mas Tao Wu era um compassivo—ele não podia ser assim. Ao invés ele deu a Yun Yen uma explicação recheada de motivos, almejando sua imediata compreensão. Em vez (de batê-lo) Tao Wu disse, “É como se alguém tateando, procurasse por seu travesseiro durante a noite.” Procurando elo travesseiro nas profundezas da noite sem qualquer lamparina—digam, onde estão os olhos?
Yun Yen disse imediatamente, “Entendo, entendo.” Wu disse, “Como você entendeu?” Yen disse, “Por todo corpo estão mãos e olhos.” Wu disse, “O fato é que você disse bastante, mas chegou a apenas oitenta por cento do caso.” Yen disse, “O que então dirias, Irmão Mais Velho?” Wu disse, “O corpo todo é mãos e olhos".

Digam contudo, o que estaria correto, “Por todo corpo estão mãos e olhos”, ou “O corpo todo é mãos e olhos.” Apesar de parecerem estar cobertos de lama, estão contudo limpos e brilhando. As pessoas de hoje em dia freqüentemente tecem interpretações discriminativas e dizem que “pelo corpo todo” está errado, enquanto que “o corpo todo” está certo—estão só mascando as palavras dos Antigos. Morreram nas palavras dos Antigos, longe de compreenderem que o significado dos Antigos não estava em palavras, e que toda conversa é usada como algo que não pode ser evitado. As pessoas de hoje em dia acrescentam notas ao pé da página, dizendo que se a pessoa puder penetrar este caso, então isto pode ser considerado estudo bastante para encerrar os estudos. Tateando com suas mãos por sobre seus corpos e por sobre a lâmpada e o pilar, tecem uma interpretação literal de “o corpo todo.” Se você assim entender, terá degradado enormemente àqueles Antigos.

Assim é dito, “Ele estuda a frase viva, não a frase morta.” Se deve cortar fora interpretações emocionais, pensamento discriminativo, se tornando limpo e nu, livre e solto—apenas então se será capaz de entender este caso sobre a Grande Compaixão.

Não ouviu falar como Te Shan indagou a um monge, “Como é quando (o Dharmakaya, o corpo da realidade) está manifestando forma de acordo com os seres, como a lua (refletida) na água?” O monge disse, “Como um burro mirando para dentro de um poço.” Shan disse, “Disseste muito, mas apenas oitenta por cento.” O monge disse, “E quanto a você, Mestre?” Shan disse, “É como o poço mirando dentro do burro.” Este é o mesmo significado que o caso original.

Se você se dirigir às palavras para ver, nunca será capaz de sair da armadilha de Tao Wu e Yun Yen. Hsueh Tou, como praticante que era, não mais perece em palavras; ele caminha bem sobre as cabeças de Tao Wu e Yun Yen para fazer seu verso, dizendo:

Verso
“Pelo corpo todo” está certo—
**Quatro coxas, oito juntas. Esta ainda não é a moradia última dos monges de manto remendado.*
“O corpo todo” está certo—
**Existe metade na testa. Você permanece no ninho. Cego!*
Falando sobre isto ainda está a cem mil quilômetros de distância.
**Não vale deixar Tao Wu e Yun Yen irem embora. Por que apenas cem mil quilômetros?*
Abrindo suas asas, o Fênix desliza sobre as nuvens dos Seis Agregados—
**Um pequeno reino—Eu achava que ia ser extraordinário. Cheque!*
Causa o vento resultante de suas asas a irem se chocar contra as águas dos quatro oceanos.
**Um pouco de poeira—E eu que achava que ninguém no mundo podia contigo. Errado!*
Que grão de pó súbito se soergue?
**De novo ele acrescenta notas ao pé da página para praticantes Zen. Corte fora! Ele o pegou, mas onde o colocou?*
Que punhado de cabelo não parou?
**Excepcional! Especial! Soprado longe. Corte!*
Não vêem?
**Novamente desta forma.*
A rede de jóias descendo em padrões; reflexos sobre reflexos.
**Então o grande Hsueh Tou está fazendo este tipo de coisa—Que pena! Como anteriormente ele está criando complicações.*
De onde vêm as mãos e olhos do bastão?
**Bah! Ele verga o arco depois que o ladrão se foi. Eu não posso deixar vocês irem embora. Ninguém no mundo tem qualquer jeito de mostrar qualquer vida que seja. Hsueh Tou largou, mas deve ainda assim tomar uma surra. Novamente eu bato e digo, “Digam, o que eu disse está certo, ou está certo o que Hsueh Tou disse?”
Bah!
**Depois de três ou quatro gritos, o que acontece então?*

Comentário
“ ‘Pelo corpo todo’ está certo—’O corpo todo’ está certo—” Quem você diga que tateando com a mão buscando o travesseiro esteja certo, ou correndo a mão pelo corpo esteja certo, se você fizer tais interpretações, nada estará fazendo senão ganhando sua vida numa caverna de fantasmas. No fim, nem “Pelo corpo todo” está certo nem “O corpo todo” está certo. Se quiser ver esta história da Grande Compaixão por meio da consciência emocional, de fato você se encontra a cem mil quilômetros de distância. Hsueh Tou pode brincar com uma frase—relembrando, ele diz “Falando sobre isto ainda está a cem mil quilômetros de distância".

Nas linhas subseqüentes Hsueh Tou versifica o que era extraordinário sobre Tao Wu e Yun Yen, dizendo, “Abrindo suas asas, o Fênix desliza sobre as nuvens dos Seis Agregados— Causa o vento resultante de suas asas a irem se chocar contra as águas dos quatro oceanos.” O grande Fênix devora dragões: com suas asas ele faz com que o vento bata contra a água; as águas se separam, então o Fênix captura o dragão e o devora. Hsueh Tou está dizendo que se você puder impulsionar o vento de encontro às águas como o grande Fênix, você é de fato muito bravo e forte.

Se tais ações forem vistas com as mil mãos e olhos do Bodhisattva da Grande Compaixão, será apenas como um pouco de pó se erguendo de repente, ou como um fio de cabelo soprado sem parar pelo vento. Hsueh Tou diz, “Se você crer que passar as mãos por sobre o corpo é as mãos e olhos da Grande Compaixão, do que adianta isto?” De fato, isto apenas não é suficiente para esta história do Bodhisattva da Grande Compaixão. Assim, Hsueh Tou diz, “Que grão de pó súbito se soergue? Que punhado de cabelo não parou?”

Hsueh Tou diz que um praticante apaga suas pegadas. Contudo, no fim do verso como de costume ele cai e faz uma comparação—como anteriormente ele ainda está na jaula. “Não vêem? A rede de jóias descendo em padrões; reflexos sobre reflexos.” Hsueh Tou traz as límpidas jóias da rede de Indra para usar como padrões suspensos. Mas digam, onde descansam mãos e olhos?

Na escola de Hua Yen eles designam quatro domínios do Dharma: primeiro, o domínio do Dharma do princípio, para explicar a igualdade de um só gosto; segundo, o domínio do Dharma do fenômeno, para explicar que os princípios em sua totalidade, viram fenômenos. Terceiro, o domínio do Dharma do princípio e fenômenos desobstruídos, para explicar como princípio e fenômeno confluem sem problemas; quarto, o domínio do Dharma da não-obstrução entre os fenômenos, para explicar que todo fenômeno por toda parte entra em todos fenômenos, que tudo por toda parte abarca tudo, tudo se intercambia simultaneamente sem obstrução. Assim é dito, “Logo que se levante um grão de pó, a terra toda ali está contida; cada átomo contém incontáveis domínios do Dharma. Isto sendo assim para cada átomo, é também assim para todos os átomos".

Quanto à rede de jóias: em frente ao salão do Dharma da Bondade de Indra, existe uma rede de jóias. Centenas de milhares de jóias são refletidas em cada jóia individual, e cada jóia está refletida em centenas de milhares de jóias. A jóia do centro e as jóias circunjacentes se refletem mutuamente, multiplicando as imagens infindavelmente. Isto é usado para ilustrar o domínio do Dharma da não-obstrução entre os fenômenos.

Nos velhos dias o Mestre Nacional Hsien Shou erigiu uma demonstração utilizando espelhos e uma lâmpada. Ele colocou dez espelhos ao redor da circunferência de uma sala e colocou uma lâmpada no centro. Se você observasse de qualquer espelho, veria novos espelhos que refletiam a lâmpada, espelhos e lâmpadas aparecendo todos perfeitamente claros.

Assim, quando o Honrado Pelo Mundo atingiu pela primeira vez a verdadeira iluminação, subiu a todos os trinta e três reinos celestes, e em nove reuniões em sete lugares expôs o sutra Hua Yen.

Hsueh Tou usa a rede de jóias de Indra para transmitir o ensinamento do Dharma de não-obstrução entre os fenômenos. Os seis aspectos estão muito claros; isto é, o todo-inclusivo, o separado, da igualdade, da diferença, da formação e da desintegração. Tome de um aspecto, e todos os demais se vêem inclusos. Porque todos os seres sensíveis estão inconscientes disto em suas atividades diárias, Hsueh Tou levanta as límpidas jóias da rede de Indra descendo em padrões para descrever isto sobre o Bodhisattva da Grande Compaixão. É justamente assim: se você for capaz de, entre a rede de jóias compreender o bastão e o maravilhoso funcionamento dos poderes sobrenaturais saindo e entrando sem obstruções, então você pode ver os olhos e as mãos do Bodhisattva. Por isto Hsueh Tou diz, “De onde vêm as mãos e olhos do bastão?” Isto é para que ganhe totalmente a realização do bastão e consiga a realização de um grito.

Quando Te Shan batia as pessoas tão logo entrassem pelo portão, quando Lin Chi gritava com todos logo que entrassem pelo portão, digam, onde estavam mãos e olhos? E digam, por que foi Hsueh Tou ao outro fim para dizer, “Bah!” Investiguem isto.
(Tradução de Marcos Beltrão)


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